• 3. Composição de cena: das pinturas às imagens em movimento

    0%

    Quando pensamos no desenvolvimento da linguagem cinematográfica, é importante pensar no impacto da produção de imagens antes da fotografia e do vídeo, mais especificamente nas pinturas produzidas a partir do Renascimento, já que os artistas buscavam alcançar o realismo a partir do estudo da luz e da perspectiva. Nesse sentido, podemos pensar que essas obras dialogam com a linguagem do cinema em relação à composição da cena, isto é, em como o enquadramento, a profundidade de campo, a luz, as cores e a disposição dos corpos são usadas para expressar uma ideia.

    A perspectiva renascentista é resultado de uma busca pela construção de uma imagem mais próxima daquela que o olho humano é capaz de enxergar. Assim, considerando o recorte do espaço retratado, a perspectiva contribui para a ilusão de continuidade do espaço além do que está na tela, como se esta fosse uma janela. Na linguagem cinematográfica, tal ideia se relaciona com o que chamamos de campo, que é tudo aquilo que está na tela, e fora de campo, o espaço ao redor do que se vê além dos limites da tela.  


                               

    A Última Ceia. Leonardo da Vinci. 1495-1498

                                  

    Escola de Atenas. Rafael Sanzio. 1509-1510


    Outro aspecto interessante é o uso do chiaroscuro, técnica utilizada para dar volume aos corpos a partir do contraste entre áreas iluminadas e sombreadas. A iluminação do ambiente é um elemento que contribui fortemente para a dramaticidade de uma cena. Além disso, também podemos notar nessas obras uma ideia de direcionamento narrativo do olhar de acordo com o enquadramento das figuras humanas, similar aos diferentes tipos de plano da linguagem cinematográfica. Ao optar por retratar uma cena pintando apenas o rosto de uma personagem, por exemplo, o artista evidencia aspectos como as expressões faciais e deixa de fora outros que não são pertinentes para a cena. No cinema, seria como um primeiro plano.


    Moça com brinco de pérola. Johannes Vermeer. 1665


                                   

     Davi com a cabeça de Golias. Caravaggio. 1600


    Podemos observar também a profundidade de campo, outro aspecto que contribui para o realismo das obras, e que está relacionado ao uso da perspectiva, considerando as diversas distâncias e proporções que os objetos tem entre si, e a tridimensionalidade decorrente do uso da luz. No cinema, a profundidade de campo é bastante explorada e a imagem em movimento permite que as personagens transitem no espaço situando-se em diferentes planos, ou seja, aumentando ou diminuindo a distância entre a câmera.

    Além disso, apesar de estáticos, a disposição dos corpos nas pinturas sugere uma movimentação, que pode ser decisiva para a compreensão da cena. A partir desses posicionamentos, expressões corporais, vestimentas, etc., podemos deduzir quem são as personagens, como elas se relacionam, qual é a ação em questão e que espaço ocupam na narrativa.  É importante pensar que, para o cinema, uma arte que também é pautada na imagem, essas composições de quadro são essenciais para expressar uma ideia sem que seja necessário verbalizá-la através do texto. 

    A Colheita da Uva. Francisco de Goya. 1786-1787        


     As Meninas. Diego Velásquez. 1656


    A chegada da fotografia, e posteriormente, das imagens em movimentos permitiram o retrato da realidade de forma verossímil, porém, careciam de uma linguagem própria. Nesse sentido, é notável a contribuição das pinturas para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica, uma vez que o cinema reproduz diversas lógicas que foram introduzidas nessas obras para a criação de imagens que retratassem cenas mais próximas do real.

    Por fim, analisar essas obras é interessante para a direção de cinema pois permite visualizar a manipulação dos elementos e como eles são utilizados a favor da narrativa. Na produção de uma obra audiovisual, a direção, em conjunto com as áreas de arte e fotografia, deve se atentar aos aspectos citados a fim de produzir uma imagem que contribua para a cena e que tenha potencialidade por si só.



  • O que é direção?

  • Conceitos básicos de linguagem

  • Continuidade

  • Uso narrativo dos elementos sonoros

  • Planejando a filmagem

  • Guia das principais funções do(a) diretor(a) ao longo das etapas de produção