• 1. A construção da montagem

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    1. Organização


    Quem monta vai logo descobrir a importância de se manter o ambiente virtual da montagem organizado. É tão importante que, o ideal, é que se reflita também no mundo real, com anotações e documentos que agilizem não só os arquivos mas também as ideias. O corte genial pode desaparecer tão, ou ainda mais rápido, quanto surgiu. Ao receber o material para começar os trabalhos, a primeira coisa que quem monta deve fazer é um backup de tudo. Fazer uma cópia (às vezes algumas cópias) do que recebeu e colocar em um lugar seguro. Assim, em casos de perda de equipamentos ou algum problema durante o processo, o trabalho de todas as etapas anteriores permanece a salvo. A próxima etapa é a organização desse material. Cada pessoa acaba criando ou adaptando o sistema que funciona para si mesmo, o que importa é seguir um raciocínio claro para que seja intuitiva a procura por arquivos dentro de todo material. Uma forma que tem funcionado entre muitos colegas é organizar os arquivos em três pastas: “Elementos”, “Projetos” e “Saídas”. 

    Dentro da pasta “Elementos”, fica todo material bruto e dentro dela os itens são separados por tipo de arquivos: “Vídeo”, “Som” e “Foto”. Dentro da pasta “Projetos”, ficam salvos os arquivos que são possíveis serem alterados, como o arquivo onde se realiza a montagem. Na pasta “Saídas” ficam os arquivos definitivos, o produto final da edição e suas versões. Essa divisão funciona muito bem para pequenos projetos, com poucas locações e diárias, mas à medida que a proposta se torna mais complexa, outras subdivisões surgem no caminho. Por exemplo, dentro da pasta “Elementos”, podemos ter uma pasta para cada diária e/ou locação e dentro de cada uma delas teremos “Vídeo”, “Som” e “Foto”. O que pode guiar também essas divisões mais complexas são os Boletins de Câmera e Som que cada área responsável vai entregar. 

    Se o programa que estiver usando para montar o filme tiver o recurso de organizar os itens que estão sendo usados, é importante repetir essa estrutura de pastas dentro do programa também. No caso de programas mais simples que não permitam, vale considerar renomear os arquivos, para que, uma vez dentro do programa, haja também alguma estrutura de organização. A etapa de montagem costuma testar a paciência de quem está montando e um ambiente organizado melhora muito as chances de resolver os impasses que, sempre, surgem no caminho. 

    O próximo passo é garantir o domínio do roteiro, de como o projeto deve ser apresentado até então. Repassar com a Direção como a história pretende se desenrolar, mesmo que Direção e Montagem sejam a mesma pessoa. Isso porque a parte artística da montagem começa já a partir desse momento e as decisões e revisões sobre como a mensagem pode ser transmitida da maneira mais eficiente só são conseguidas quando há clareza sobre que mensagem é essa exatamente. 



    2. Descontinuidade 


    Antes da prática, propriamente dita, é preciso entender qual é a pedra fundamental da montagem, a grande ‘sacada’ responsável pelo desenvolvimento da Linguagem Cinematográfica: a descontinuidade. O primeiro cinema começou com uma estrutura de “teatro filmado”. Nos vaudevilles eram exibidas apresentações filmadas de ilusionistas, músicos, acrobatas, lanternas mágicas e curtas peças teatrais. Esses registros compunham um show, que durava até vinte minutos. Conforme as narrativas se tornaram mais complexas, esses teatros filmados começaram a cortar os filmes para obter efeitos especiais ou a usar mais de uma locação para o desenvolvimento dos acontecimentos, assim (mesmo que continuando o padrão de plano frontal e contínuo), os cortes se tornaram essenciais para representar essa troca de  espaço e/ou tempo. Através dessa descontinuidade a montagem nasce e os realizadores passam a entender o cinema, não como apenas uma inovação tecnológica que reproduz o que vê, mas como uma nova linguagem com novas possibilidades.

    O cinema busca do espectador estados de espírito específicos, a montagem o faz, desconstruindo o tempo e o espaço de cada ação, guiando sua atenção para a melhor posição e o instante mais relevante que alcancem esse objetivo em todos os espectadores. Em resumo temos um tripé que guia a montagem: a descontinuidade controla a atenção do espectador através dos cortes. 

    Hoje, o que justifica o corte já não são apenas as mudanças de locação e tempo, mas o processo mental de como enxergamos o mundo. O que vemos ao nosso redor muda à medida em que nossa atenção varia de um a outro objeto. Isso fica claro no exemplo de Karel Reisz:


    [...] A alguns metros, à minha direita, há uma estante cheia de livros. Se decido virar a cabeça para olhá-la, tenho uma visão geral e vaga da estante e todos os livros que ela contém. Em seguida, quando os meus olhos percorrem uma das prateleiras, a minha atenção é subitamente atraída por um determinado livro, um volume de capa vermelha. Os meus olhos focalizam-no, enquanto procuro ler à distância o seu título: já não percebo conscientemente o conjunto de livros - agora é um determinado livro que prende toda minha atenção. Após um momento,  consigo ler o título, e o meu olhar retorna à escrivaninha. (REISZ. 1978, p 43)


    O que vemos não muda. Estamos, da perspectiva de Reisz, parados olhando uma estante que está a alguns metros. Mas em um caráter psicológico, estamos sempre focando no que parece ser o mais importante em cada momento: a estante, a fileira de livros, o título do livro específico. Através desse fenômeno, a montagem posiciona o espectador, de maneira geral, num lugar privilegiado que não vive fisicamente a história e nem tem apenas uma visão genérica de tudo, mas tem todas as informações necessárias para experiência que o filme propõe (mesmo que sejam necessários movimentos impossíveis de serem repetidos no mundo real).  Desde que exista uma continuidade lógica de acontecimentos o corte é aceito e bem resolvido para os espectadores. 

    Essa teoria também é válida para construir estruturas não tão confortáveis para o espectador. Sabendo como o aspecto psicológico de quem assiste funciona, conseguimos  extrair diversas experiências que não da narrativa considerada clássica. Desde aí a importância de conhecê-la, cada caminho que pretende rompê-la, gera diferentes repercussões dentro do espectador. Na narrativa clássica, o espectador sabe que não faz parte daquele contexto que está assistindo, e apesar de gerar sentimentos são sempre relacionados à empatia pelos personagens, por exemplo, quando o espectador fica triste, não está realmente triste, mas “triste pelo personagem”. Uma forma de quebrar isso e deixar o espectador mais imerso no filme é tirar algumas informações da trama. Isso pode gerar um debate interno sobre se as ações de um personagem estariam certas ou erradas, por exemplo. É aquele acontecimento que todos só descobrem no final e gera aquele espanto. Conforme compreendemos a narrativa clássica, vamos encontrando ferramentas para que o espectador deixe o conforto de estar alheio aos acontecimentos para torná-lo agente ativo da experiência de assistir o seu filme.



  • O que é montagem?

  • A Narrativa Clássica

  • Os cuidados da montagem