• 2. Cenografia

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    No cinema, diferente do teatro, o cenário pode ter papel mais ativo. Nem sempre se limita a um receptáculo para as personagens, podendo ser parte operante da narrativa. Uma porta batendo, ondas morrendo na praia, folhas ao vento – a cenografia, por si só, apresenta efeito dramático.

    O cenário pode ser um local já existente, ao qual chamamos de locação - uma rua, um museu, uma biblioteca, a casa de um amigo; por exemplo. Também pode ser construído num estúdio, o que seria uma alternativa para ter mais controle sobre as filmagens. 

    No contexto do cinema independente, procura-se sempre o menor custo. Dessa forma, é muito comum a utilização de cenários já existentes, locações. Esses podem ser alugados ou, no caso de produções mais amadoras, emprestados. Geralmente, nesse contexto, as locações não permitem grandes modificações (afinal de contas seria extremamente insensato derrubar a parede do apartamento que seu amigo emprestou apenas para filmar uma cena). Assim, muitas vezes as produções precisam se adaptar ao cenário mais ideal que está disponível. A direção de arte pode fazer várias adaptações na locação sem comprometê-la - existe a possibilidade de modificar as paredes com papel de parede, tecido ou até mesmo utilizar tapadeiras; tapetes podem cobrir o chão; com a utilização de objetos de decoração é possível modificar totalmente a atmosfera de um ambiente. O essencial é a visita prévia da equipe de arte nessa locação para que todas as demandas sejam levantadas e sanadas e, assim, o cenário fique o mais próximo possível do que se pensou. Com as devidas adaptações, uma mesma locação pode, inclusive, servir para mais de um cenário – evitando gastos e transtornos de produção. 

    É importante frisar que a escolha da locação terá que levar em conta questões não apenas visuais, mas também relativas à iluminação (natural ou artificial) e ao som. Esse diálogo entre a direção de arte e as outras áreas é essencial. Será extremamente frustrante a escolha de uma locação visualmente interessante, mas que possua muita interferência sonora, por exemplo. Muitas vezes a arte pode propor soluções para questões que esbarram em outras áreas - utilizar materiais que auxiliam no isolamento acústico; pensar em cortinas ou tecidos para barrar iluminação indesejada; propor objetos que justifiquem a iluminação da cena, como um abajur ou uma luminária.

    Um trabalho mais técnico, mas muitas vezes interessante, é gerar plantas e até maquetes das locações que serão utilizadas. Esse estudo mais detalhado por parte da arte pode ser uma grande ajuda para as outras áreas. Afinal, com esses materiais em mãos, fica mais fácil planejar as ações dos atores ou, mesmo, o posicionamento dos equipamentos, como câmeras e luzes.

    Embora filmar em estúdio seja uma prática mais comum às grandes produções, é possível, sim, construir cenários com baixo orçamento. O uso de tapadeiras pode ser fundamental, uma vez que elas podem simular variados ambientes, são fáceis e consideravelmente baratas de se fazer. Tintas e restos de madeira também podem ser adquiridos por um preço razoável. Para simular profundidade de campo ou outros materiais (como tijolos ou uma madeira mais nobre) é possível utilizar papel de parede estampado ou, mesmo, pintar as tapadeiras para que tenham esse aspecto. Tudo é uma questão de inventividade. Em “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver” (1967) do mestre do terror José Mojica Marins, por exemplo, o Inferno foi criado em estúdio com materiais não muito convencionais – isopor, gesso, cartolina e pipoca para simular a neve.

     

    “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver” (José Mojica Marins, 1967)                                                              

    (Cena completa:

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    É interessante que o cenário ajude a narrar, passando conceitos visualmente. 


    A telenovela “Amor de Mãe” acompanha as trajetórias de três mulheres, cada qual com sua personalidade singular. As identidades das protagonistas (seus modos de viver, gostos, situações econômicas) podem ser percebidas em suas casas. 

    A casa de Lurdes foi pensada para passar conceitos como “aconchego” e “simplicidade”. Um verdadeiro “coração de mãe” que sempre tem espaço para mais um. Para isso, a cenografia empregou o uso de várias sobreposições. É um cenário carregado, cheio de móveis, objetos, cores e texturas e, de alguma maneira, tudo parece encontrar harmonia no caos. 

    Os materiais vão se alternando - azulejos diferentes, pinturas desiguais, rebocos não finalizados -, passando uma sensação de casa em “constante reforma”. São detalhes que ajudam a construir a identidade da personagem: o sofá está sempre com capa (para prevenir estragos, uma vez que trocar o estofado seria caro); a mesa parece de qualidade (Lurdes ganhou a peça de uma ex-patroa, talvez), mas as cadeiras são simples.

    A personagem Thelma é uma mãe controladora, tradicional e com dificuldades em aceitar mudanças (como a independência do filho). Como transmitir isso através dos cenários? Tanto o restaurante quanto a casa de Thelma têm aspecto datado. A impressão que temos é de algo parado no tempo. A personagem apenas faz reformas de extrema necessidade. Ela zela pela história da família (o restaurante foi de seu avô) e parece considerar qualquer mudança no espaço uma ofensa, um desrespeito. Os tons das cores usadas em sua casa parecem transmitir uma sensação de controle - são cores sóbrias, como se uma cor viva pudesse ser “perigosa”, difícil de lidar.

    A casa de Vitória é pensada como o espaço habitado por uma personagem que possui bom gosto e condições para investir nisso. Os materiais são nobres, possuem aspecto refinado. Ao mesmo tempo, há uma atmosfera de calor e aconchego, uma vez que Vitória sempre desejou ser mãe - e parece ter preparado o ninho para receber uma criança. Os objetos também são finos e parecem possuir valores simbólicos. 

    Embora as três histórias da telenovela sejam próprias e únicas, elas se interligam. Os cenários, então, mesmo sendo mundos tão diferentes, apresentam semelhanças. Você reparou que as três casas possuem plantas? Em outras cenas, podemos observar melhor que as três protagonistas possuem espaços verdes em suas casas. Mesmo assim, aqui e ali, uma ou outra plantinha surge, uma conexão entre as três através do cenário - e, ainda, uma escolha poética: afinal, as plantas podem ser símbolo da maternidade, tema presente nas histórias das três mulheres.


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