Na construção da linguagem cinematográfica, a direção de arte será responsável pelo aspecto visual do projeto. Para HAMBURGER (2014) a direção de arte está ligada “à concepção do ambiente plástico de um filme”. Assim, entende-se que a área da arte se ocupará tanto pelos espaços e objetos quanto pela caracterização das personagens que povoam nossas cenas - em questão de figurino (roupas e acessórios usados pelas personagens) e maquiagem.

Faz parte da função da direção de arte criar, juntamente com a direção e a direção de fotografia, a atmosfera visual do filme. Ao trabalhar os cenários, objetos, figurinos e maquiagem, a direção de arte estará não apenas definindo o visual do projeto, mas também construindo simbolismos e significados visuais que vão além da narrativa. Por exemplo: digamos que você recebeu um roteiro sobre uma personagem solitária que vive amargurada numa mansão. Não será seu papel apenas imprimir uma estética interessante ao filme em questão, mas também, através do visual, transmitir conceitos que estão incrustados nessa narrativa. 

Como você pode, através da direção de arte, apresentar um visual que transmita toda a solidão e amargura daquela personagem? Que tal deixar os cenários onde essa personagem transita com aspecto vazio, espaçando bem os móveis, utilizando poucos objetos? E se as paredes estivessem descascando? E se houvesse poeira por toda parte? E as cores? Seria interessante trazer um aspecto sombrio e frio – azul escuro, roxo... E se você usasse texturas para transmitir sensações? Infiltrações, mofo, aspereza... E como essa personagem se vestiria? Estamos falando de alguém rico, mas que está sozinho, então provavelmente seriam roupas caras, mas que já envelheceram faz um certo tempo. Você pode trabalhar um aspecto de desleixo e abandono - roupas gastas, amarrotadas; até mesmo meio rasgadas, mas que um dia foram exuberantes. E a maquiagem? Você pode trazer palidez e olheiras para a personagem, um aspecto cansado e deprimido.

Dessa forma, percebe-se que a direção de arte não apenas ocupa-se em criar algo que cative os olhos de quem assiste aquele filme, mas também é responsável por utilizar o visual para transmitir mensagens importantes acerca daquela narrativa que estamos construindo.

"Quintal" (2015) / Direção: André Novais Oliveira; Direção de arte e figurino: Mariana Souto e Tati Boaventura                                                                      (Curta completo:

O curta metragem “Quintal” (2015), direção de André Novais Oliveira e direção de arte e figurino de Mariana Souto e Tati Boaventura, retrata a vida de um casal de aposentados. Inicialmente, essa rotina é mostrada como pacata e monótona. Com o desenrolar do filme, percebemos que, na realidade, a vida das personagens é cheia de pequenas aventuras excêntricas que flertam com o realismo fantástico. Neste caso, a direção de arte foi construída através de uma linguagem realista que tem diálogo direto com o cotidiano. Na cena da cozinha, por exemplo, conseguimos identificar o cenário como uma cozinha comum que pode ser encontrada em muitas casas brasileiras. Os azulejos nas paredes, os móveis, os objetos (as panelas, os potes, o puxa-saco, o filtro de barro) e as cores nos são familiares. Os figurinos também são comuns.

"Quintal" (2015) / Direção: André Novais Oliveira; Direção de arte e figurino: Mariana Souto e Tati Boaventura

Mesmo nas cenas em que presenciamos algo fantástico acontecendo, esse tom comum é mantido pela direção de arte, pois, para as personagens, aqueles acontecimentos, mesmo que surreais, parecem fazer parte de suas rotinas.

"O Anjo no Poço" (Matheus Marchetti, 2019) 

(Teaser:

Já no curta-metragem “O Anjo no Poço” de Matheus Marchetti, a direção de arte trabalha outro tom. A narrativa é sobre as peripécias de três netos que, numa reunião de família, decidem passar o tempo imaginando situações fantasiosas e macabras. A arte, então, foge do cotidiano. Os primos, por exemplo, apesar de adultos se vestem como crianças. Em determinado momento usam uma fantasia com capa e máscara. Há bastante pontos de vermelho berrante, se destacando nos cenários mais neutros, como se algo fantástico estivesse acontecendo, mas sem tomar o domínio total da história. A narrativa também flerta com assassinato e descoberta sexual – e o vermelho pode ter essa leitura também.